3

Primeiro vc descobre como coçar os pensamentos.
Aí vem um monte de amigos e te abraçam com palavras.
Depois vc atravessa prum lugar (des)conhecido lindo.

É mais ou menos assim o fenomeno 3 - na minha vida.
São felicidades pequeninas que parazitam momentos de iluzão perdidos na realidade....

Então vou falar de um desses tres que aconteceu uma vez... num tem muito tempo:
- O ônibus vai parar em Calçoene pro almoço.
Pô tem maior tempo que sonho em parar nessa cidade, já passei por lá muitas vezes no caminho de mais longe, nunca com uma parada dentro da cidade, quando alguém vai pra lá, geralmente o onibus dá uma volta lá dentro... Aquele rio (nossa mãe!!!) aquela coisa que fende a cidade mostrando suas víceras-pedras, espumando arrepios e desejos nas correderas que lhe dobram) e avisto da janela ao passar por lá. Nem acredito que vamos parar.
- Bora rachar uma broca?
- Não, não, nem vô almoçar... vô dá uma volta por aí.
Ei-lo, devo descer quanto antes e tirar esse sal da praia seca do goiabal. Passamos por lá rapidinho (queriam ver o mar) mas pareceia sertão - corremos abeça pra chegar numas possas de água salgada, achei um amoleto de madera todo furadinho... logo voltamos. E agora num vejo a hora de deixar esse rio me engolir, já estou temperado e ao ponto de assado, muquiado da viagem... hummm, bem geladinha, perfeita.Aí vejo uns moleques mandando ver na correntesa, que viagem veio, como eles conseguem... chego mais perto e logo um rapaz me chama no meio de uma pedra entre duas correntesas assustadoramente belas:
-chega aí!!! é só nadar na trasnversal da maré que a pedra te trás pra cá?
- Mas num tem perigo? num vo bater a cabeça?
- Pula bem aí, ó! e nada pra cá, é tranquilo...- Então tá...
Aí eu pulo feito um suicida numa corredera daquela que a gente vê os caras descendo de caiaque todo equipado com capacete, joelhera e toda aquelas ondas que indicam que tem pedra ali embaixo. (A sensação é de que tu fez merda - aí tu pensa tô fudido e se dana a bater braço sem enxergar porra nenhuma, tu nada prum lado e vai pra outro e quando vê aquieta) e misteriosamente a água de puxa pro outro lado de forma branda, mas ainda tem que nadar...- Num falei que era tranquilo, sobe aí. (Ele me dá o braço e espero que me puxe sem que eu faça esforço, num dá certo, dô mais um tempo e puxa de novo aí subo com algum esforço e sento na tal pedra).
Estamos no meio do rio, de um lado a corredera que atravessei e a cidade, do outro uma corredera bem mais larga e forte e umas pedras altas que não deixam ver o que há além.-Poisé, primeiro é fácil, complicado é esse daqui, o macete é pular bem no meio e nadar com toda energia pro lado de lá... Vô te mostrar.
aí o cara pula e vai cum caralho levado pela água, num demora ele tá lá no outro lado de boa me chamando (se ele foi eu vo). Respiro fundo umas dez vezes, alongo os braços, já estou meio tremulo... mas num tem mais jeito a onda é pular... fui!!!(sabe aquela sensação que falei da primeira corredera, é leve impressão perto dessa - dá tempo de pensar na família, nas pessoas dizendo, mas por que ele foi fazer isso - tão novo, a gente pensa nas pedras quebrando a cabeça e essas coisas vão inspirando a bater braço cada vez mais, a fraqueza vem vindo e nada de passar a corredera que te faz de boneco pra cima e pra baixo, quando já tô quase desistindo saio da rebarba e pego água mansa... vou nadando bem devagarcom medo de ter caimbra até chegar no outro lado), o figura me esperando, tem um cara, que tinha atravessado antes, com ele:
-Po, pensei que tu num ía conseguir!
-Véio, meu negócio é coragem, conseguir é outro papo. Aí o cara fala
- Coragem já mato muito nego aqui, tu tem que saber nadar de verdade e nadar na direção certa senão passou pra lí é caixão.
Isso me inspira a procurar uma saída diferente, lógico depois de recuperar o controle das pernas, aí vou subindo as pedras e chego numa represa. Valeu a pena atravessar, aquelas pedras grandes do lado oposto a cidade represam a água que faz um lago lindíssimo, água praticamente parada que escorre pelas fendas entre as pedras gigantes como um fio de óleo entre os dedos.Lembro do pan-americano que tinha um cara que nadava muito e ía pra outra piscina soltar os musculos pra nadar de novo, mas só pra relaxar fico boiando ali um bom tempo - depois lembro que estou numa viagem e tem a parada do onibus, resolvo voltar - procuro saída e num acho - vo cum carinha e pergunto:-
-Num tem saída daqui sem ser pela água?
- Não, tá afim de voltar?
- Seria bom...
- Bora lá.
Aí seguimos os três até a beira da corredera maior, estamos do outro lado bem aonde ela caí mais dicunforça... Eles me explicam.
- Mesmo esquema, só que dessa vez é só numa que a primeira vai te jogar na seguna maré, num para de nadar. Olhaí!
Foi o primeiro, cá estou olhando, começo a respirar fundo e nada dele atravessar, passa um tempo quase lá embaixo ele passa. Tenho a pesada impressão de que não vou conseguir, olho bem para procurar uma saída mais racional e num encontro, pergundo denovo pro meu parceiro se num tem perígo:
-Perigo tem, mas é só num pular de cabeça, pula de peito e nada, mas nada mesmo até chegar na parte tranquila.
-Aonde eu pulo?Ele aponta com o dedo e num vejo razão para ser ali... então vai la pra eu ver direito. E lá vai o boneco amigo nas correderas feito um corpo inanimado nágua, tirando o fato dos bracinhos que batem feito sei lá o que... ele passou. Agora estou sozinho e muito fudido. Sigo respirando fundo mexendo os braços e tentando planejar algo inteligente, mas ali num havia cérebro, era só corpo e água, e a água queria que fosse assim pra sempre e eu tentava recusar, não ficaria do outro lado e nem tinha outra alternativa
- Que merda que eu fiz... lá vou eu, me projeto mas as pernas não pulam... vou sem pensar, pulo de olhos cerrados e é como eu imaginava - não está fazendo efeito essas braçadas, as correderas se unem contra mim e acho que não sei nadar, o cara bem me avisou, pelo menos eu tentei... já estou passando do ponto de saída e a maré tá forte ainda, num aguento mais, espero que todos entendam que foi uma emoção que valeu a pena (paro um pouco e deixo a água me arrastar)... estou exausto mas continuo... aí saío bem mais longe do que era previsto e ainda tenho que nadar muito pra chegar no raso, já não tenho pensamentos,queria afundar e esquecer de tudo, teria um lado bom descansaria pelo menos... Cheguei, parece que engoli água - tusso e tento repirar...
O carinha sorri sem surpresa e diz... pensei que num fosse te ver mais, demoro heim. Olho meio sem graça pra ele e fico de molho nas pedras...
Nessa brincaderira atravessei 3 vezes o rio, as outras duas 'ensinando' o tiago eo beto como era... Toda vez que caía na água eu me via pulando de um prédio em chamas, num poço sem fim... o remorso que o auto-extermínio trás junto a tranquilidade do descanço, acho que era o que fazia meus ombros leves, talvez alguém me puxasse, ao genero - num adiante tentar, ainda num é tua hora. E lá estava eu do outro lado, mais feliz do que nunca, mais exausto do que sempre, contemplando o ciclo do três, metade do infinito, descobrindo um sentimento que se encaixou no vazio que estava sentindo, estava satisfeito por hora...

Comentários

elanefelibata disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Cristiano disse…
Bom texto! Gostei do vi por aqui.
Anônimo disse…
para o título ser o inicio e o fim

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